Ola mães,
Então hoje eu estava pensando em fazer um post sobre como é a busca por creches aqui no RJ,mas vou deixar esse tema mais para diante. Hoje eu quero falar de uma pessoa, uma pessoa que foi muito importante para mim e é a ela que eu devo grande parte do que eu sou hoje. Sempre que eu penso em como o feminismo poderia ter salvado muitas mulheres do passado eu penso nela. Quando eu penso em o porque eu continuo lutando, depois dos meus filhos é ela que me vem a mente. Essa pessoa, esse ser, que hoje já não se encontra entre nós,espero eu que já esteja em algum hospital espiritual, ou com os guias dela...enfim. Essa pessoa é a minha avó onde eu levo o imenso orgulho de carregar o mesmo nome que ela Sílvia. A Dona Sílvia.
Para as pessoas que ainda desconfiam o como o machismo afeta a vida das mulheres deveriam ter conhecido a minha avó. Ela foi uma vitima do machismo e da sociedade conservadora desde de muito cedo. Ela nasceu em 1950 na cidade de Rio Branco – Acre. Sim minha família por parte de avó e mãe é quase toda do Acre, inclusive a minha mãe nasceu lá. Minha avó era filha de professora com policial, era a filha do meio. Meu bisavô bebeu tanto na hora de registrar ela que registrou com sobrenome diferente, a ponto de dizerem que ela era adotada na escola. Minha avó amarrava a saia da escola para andar com a bicicleta do irmão e apanhava com folha de bananeira pelo pai. Morava do lado do cemitério e roubava dinheiro do santo,mas sempre pagava depois. Um dia, ela me disse que não lembra como conseguiu,mas ela tinha uma revista Capricho e levou para escola para ler, na revista tinha falando sobre beijo na boca, a professora pegou, levou para a diretora, chamaram os pais dela no colégio e ela foi ameaçada a ser expulsa da escola se isso voltasse a se repetir, apanhou tanto que ficou dias acamada em casa. Minha avó era tão bonita que até um padre disse que largava a batina se a minha bisavó deixasse ele se casar com ela, foi expulso a vassourada de casa, já que a bisa não queria ter filha mula sem cabeça. Por fim, minha avó se casou com meu avô, ela com 15 ou 14 e ele já com seus 20 anos, eu acho, ele servia a aeronáutica lá no Acre,mas nasceu aqui no Rio. Minha avó deu a luz a minha mãe com 16, depois ao meu outro tio com 19 e o meu último tio com 20. Meu tio do meio foi o único que nasceu aqui no RJ, em umas férias que eles estavam passando aqui. Minha avó perdeu a mãe pouco depois que a minha mãe nasceu e meu biso casou logo em seguida.
Até aqui, mesmo com alguns detalhes, até parece uma história muito bonita,mas na verdade não o é. Minha avó se mudou para o RJ depois que meu tio mais novo nasceu, muito a contragosto,mas meu avô que mandava, ela veio e se dava super mal com a minha outra bisa a mãe do meu avô, no caso, a sogra dela, depois que eles conseguiram morar sozinhos a coisa ficou muito pior, minha avó apanhava todos os dias do meu avô, não por que ele bebesse,mas por qualquer motivo, meu avô recebia muito dinheiro e nunca queria ajudar nada em casa, ela, minha mãe e meus tios passavam fome, enquanto meu avô fez uma viajem de férias pros EUA sozinho. Meu avô dizia que minha avó era vagabunda e que ela traia ele, já que ela conseguia dinheiro costurando e lavando pra fora. Nem preciso dizer o que acontecia né? Mais tapas. Só que a minha avó não aguentava calada não, ela respondia e ia pra cima mesmo, só que ela sempre foi miudinha e sempre levava a pior. Só que no fim das contas a minha avó deu um basta e pediu o divorcio. Ela nunca me contou os detalhes, só dizia que foi muito difícil, que dormia com uma panela de água fervendo debaixo da cama com medo do meu avô entrar em casa.Mas o pior foi as outras pessoas. TODOS na rua pararam de falar com ela, diziam absurdos dela. Até o próprio irmão e irmã mais velhos de inicio não queriam mais assunto com ela.
Minha avó costurava para fora e depois aprendeu sozinha a fazer arranjos de festas de 15 anos, formatura e casamento e vendia para as lojas no centro da cidade e em Madureira. Ela recorreu na justiça e conseguiu uma pensão do pai dela, mas isso foi bem depois que eu nasci e na mesma época conseguiu uma do meu avô, que bateu uma vez lá em casa chorando dizendo que estava sem dinheiro nem para pagar a luz, depois de uma leve falcatrua dele, conseguiu tirar a pensão da minha avó, falsificando a assinatura dela em um documento que dizia que ela abria mão da pensão. Ela me disse uma vez, que depois de separada, ela não tinha dinheiro para nada, não tinha nem comida,nem árvore de natal em casa. Ai meu avô apareceu dizendo que tinha um presente, ela achou que poderia ser algo para as crianças,mas era uma garrafa de azeite cara que ele comprou em uma das viagens dele. Ela desceu a rua de camisola atrás dele com a garrafa na mão para tacar nele. Ela não era nada fraca.
Minha avó nunca reclamou das traições do meu avô, ela dizia que nunca se importava,se ele fosse um pai que desse as coisas para os filhos ela não se importava nem que ele batesse nela,mas não o era, e nem deixava ela trabalhar. Foi isso que fez ela ir em frente e se separar. Depois ele casou de novo,mas vivia correndo atrás da minha avó. No fim ela não perdoava ele,mas sempre deixou que ele tivesse contato com os filhos e com as netas. Ela sempre disse que ele é um ótimo avô. E é mesmo, o que gera dentro de mim um conflito terrível, a ponto de não conseguir me aproximar tanto dele,mas sei que ele gosta muito de mim e sempre ajuda quando possível. Por incrível que pareça ele sofre muito com a morte dela,e foi ele que pagou tudo do enterro no Jardim da Saudade. Para mim, isso não quer dizer nada, nem compensa nada, mas estou relatando acontecimentos e não seria verdadeiro omitir essa parte.
A Dona Silvia me criou, pagou escola para mim por um bom tempo, me amava muito, dizia para mim que tudo valeu a pena, para no final me ter como neta. Espero que ela saiba que eu sinto um amor imenso por ela,e que se eu pudesse teria cuidado mais dela, eu era muito adolescente e imatura, espero que ela tenha orgulho de mim hoje. Infelizmente ela sempre dizia que a maior alegria dela seria estar viva para ser bisavó, mas o tempo dela aqui na terra expirou antes, pouco antes.
Minha avó teve câncer, a doença do rancor , e ela o tinha mesmo, toda essa carga na vida dela fazia ela sentir que nunca foi realmente amada por ninguém,ela sofreu de uma depressão profunda e também tinha um tumor benigno no braço, que o médico atribui a pancadas que sofreu. Seus olhos tinham excesso de pele, devido que as suas glândulas lacrimais inchavam de tanto chorar e aos 40 e poucos anos teve que fazer uma cirurgia plástica se não ela não ia conseguir mais abrir os olhos de tanta pele nas pálpebras. Ela superou tudo isso, e depois da depressão ela ainda sorria, brincava, conseguiu sua própria loja para vender seus produtos mais artigos de papelaria, e planeja uma viagem para Petrópolis com as netas, quando descobriu o maldito câncer. Depois que a minha avó descobriu ela viveu só mais um ano.
Eu só fiz esse post hoje, pois tinha sonhado com ela e acordei com muita saudade. Mas espero que o breve relato que eu dei da vida dela, já sirva como exemplo. Para que não esquecemos da luta das que vieram antes de nós, para juntar a força das nossas antepassadas e que consigamos nos basear na vida delas para continuar lutando. E para que todos também vejam como o machismo faz várias vítimas, e sempre lembrar que temos que ajudar nossas irmãs e que sim sororidade é muito importante, porque juntas vamos conseguir muito mais do que separadas, pois separadas conseguimos uma falsa vitória, uma vitoria individual, só conseguimos vencer realmente se for para ser para TODAS.
Por fim. Vovó, eu te amo e carrego você comigo em tudo que eu faço, em todas as minhas ações e pensamentos, minha luta também é por você, por mim, pela mamãe, pela Lívia, por todas. Quero que saiba que um dia vamos nos encontrar, não se preocupe comigo, esta tudo bem, não estou sozinha, mas mesmo se tivesse já sei me cuidar muito bem. Se cuida, espero que você e a bisa conversem e mandem muita força e energia positiva para a nossa pequena guerreira.
Qual o relato de vocês? Quem inspira vocês? Qual a luta de você? Andem comentem,vamos dividir as nossas experiencias.
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